Ah! Vejo que você escolheu continuar!
Ficou curioso, não?! Foi a opção mais acertada. Andiamo avanti...
Ainda tenho um último alerta a fazer: Se você gostar dessa história e pensar em preparar seu próprio Lievito, vou logo avisando: Pode haver um conteúdo poético na história, mas não há nada de praticidade nele. O Lievito é o avesso do mundo moderno. Exige religiosamente cuidados diários, em relação aos fermentos biológicos modernos, demora 3 vezes mais tempo para produzir o mesmo efeito de crescimento nos pães, é delicado, sensível, tem comportamento e desempenho muito influenciado pela temperatura e umidade do dia, e tantos outros etcs... Resumo: se você não dispõe desse tempo, pare por aqui ou siga a leitura apenas a título de diversão.
O fermento natural, conhecido na Itália
como Lievito pode ser preparado a partir de diversas frutas. Eu
tenho uma preferência pela maçã apenas porque era a fruta preferida da minha
Nonna Concchetta.
Na verdade, por mais que eu me esforce, não
trago registro de memória sobre o preparo do Lievito... apenas me lembro dele e de como era usado, compartilhado e - mais importante ainda - do que ele representava e de como ele era
tratado!
Eu tenho um Lievito já indo pros 6 anos de idade e só decidi fazer depois de tomar a decisão de trocar a vida executiva empresarial por outra que tivesse mais (ou total) flexibilidade de agenda. Eu deixei aquela vida de doidos há 2 anos e o Lievito está com quase 6 anos. Naquele intervalo de uns 4 anos o trato era dividido entre eu e a Suzy, religiosamente. Hoje nossa relação é bastante mais estreita! Em algumas viagens mais curtas que fazemos, ele vai junto e fica no hotel enquanto passeamos. Não quero nem pensar no que você está pensando agora, muito menos no que as camareiras imaginam quando encontram o Lievito ao lado de um pacote de farinha de trigo e um saleiro num canto do apartamento. Em viagens mais longas ele fica com pessoas de extrema confiança, claro! Você acha que sou louco? Acha. Concordo. Mas você também é um pouco, pode acreditar e basta pensar um pouco.
Vejo que você não desiste!.. vamos em frente. Voltando a la vecchia Itália, naquela época não se fazia pães todos os
dias, mas todos tinham pão fresco quase todos os finais de tarde.
Qual era então o
milagre?!
Fácil: O pão era feito quase todos os dias, mas nunca na mesma casa!
A grande
fornada era compartilhada entre moradores próximos, quase uma confraria, completamente informal, mas extremamente organizada e fechada. Para que essa integração fosse assim tão simples havia um grande responsável, um catalizador daquelas relações: O Lievito!
Mesmo sem ter pernas ele andava de casa em casa, era
multiplicado de véspera numa quantidade suficiente para o preparo dos pães do dia seguinte, além de uma parte para ser multiplicado novamente. Era um fluxo natural e
informal do qual ninguém se queixava - ao contrário - tinha muito orgulho em
preparar e servir seus vizinhos. A dependência era maior em todos os sentidos e
a importância e o respeito ao relacionamento humano eram incontestáveis. Não
havia supermercados, lojas de conveniência, etc. Padarias sim, poucas, como a dos pais do Mario Sbattuto, o Sbatto. Mas o dinheiro também era pouco e a fome era muita.
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Este é o Borgo San Felice, escondido no meio da Toscana, na região dos Chianti |
Em muitos lugares nem nas casas os pães eram feitos... Havia um forno comunitário a disposição de todos, onde muitas coisas eram assadas além dos pães.
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Forno comunitário de San Felice |
Normalmente ele era aceso uma ou duas vezes por semana para os pães, mas nas datas mais importantes e festivas ele ficava aceso por dias a fio...
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Interior do abrigo do forno |
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Interior do forno |
As famílias preparavam suas ceias e os pratos de compartilhar nas festas de rua, como a Porchetta por exemplo.
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Esta pesou uns 14 quilos e fizemos para as ceias de Natal e Ano Novo! |
Nesses lugares essa mágica do relacionamento humano era ainda maior... e não é difícil imaginar o que acontecia enquanto os pratos eram assados. Gente juntando, conversa vai, lenha entra, criançada brincando, vinho vem, corniccione (pizzas de massas fininhas, pouco recheio e bem tostadas) entra, papo volta, corniccione sai... Que sacrifício!
Mas vamos voltar ao Lievito e seu poder de magia.
Agora tudo ficou chic e até as maçãs ganharam nomes gringos como Grammy Smith, Ginger Gold ou Golden Delicious. Apesar disso elas continuam sendo maçãs, maduras por dentro e com a casca verde... apenas isso!
Pois bem, é a partir de uma delas, não necessariamente com casca verde, que tudo começa.
Andiamo alla ricetta...
Fase I - Preparação
Ingredientes:
1 Maçã madura
3 colheres (sopa) de açúcar cristal
1 copo d'água
1 ralador grosso
1 pote de vidro limpo, grande, com tampa
1 pano de cozinha limpo
Preparo:
Eu limpo e lavo a maça usando apenas água corrente. Ralo com casca, engasto e sementes, coloco dentro do vidro, adiciono o açúcar, misturo bem com uma colher bem limpa, coloco a tampa por cima cuidando para não vedar. Deixo a tampa frouxa para que os gases provenientes da fermentação possam se acomodar.
Guardo num lugar fresco e protegido do excesso de luz. Para isso, tenho uma boa despensa.
Depois de 5 dias - não antes disso - começo a monitorar o resultado. Em função da temperatura, o resultado vai aparecer entre o 5o. e o 7o. dia e esse composto agora com coloração castanho, deve apresentar um odor muito alcoólico. É exatamente esse ponto que procuro, pois as leveduras já estão todas aí.
Adiciono a água, misturo bem e passo pelo pano limpo para descartar as partes sólidas, espremendo bem para retirar todo o suco e com esse precioso líquido inicio a fase seguinte.
Caso o odor alcoólico não apareça, só resta reiniciar o processo.
Fase II - Transição
Ingredientes:
Trigo qb
Água qb
Sal qb
Preparo:
Essa fase é fácil, porém bastante trabalhosa. Consiste em mudar o ambiente das leveduras. Elas estão acostumadas a "comer" maçã e vão passar a "comer" trigo.
Misturo o líquido da fase I com uma pitada de sal e trigo suficiente para formar uma massa, nem mole, nem dura, de consistência intermediária, naquele ponto de quase soltar das mãos. Deixo coberta com pano limpo por 12 horas.
Depois desse tempo, a massa deverá crescer substancialmente e quando mexida deve aparecer um efeito esponjoso por dentro.
Caso essas características não sejam observadas, sé resta reiniciar o processo.
Agora, por longas 2 semanas, 2 vezes ao dia, metade da massa deve ser descartada, e essa outra metade aproveitada, deve receber uma pitada de sal, água e trigo o suficiente para recompor seu tamanho original.
Lembre-se que não é importante nessa fase o tamanho ou quantidade de massa e sim o processo de transitar de "maçã" para "trigo" o alimento das leveduras.
A cada passo desse processo a massa vai sofrendo um processo de clareamento, pois a coloração do líquido da fase I vai se diluindo ao longo das etapas.
Fase III - Manutenção & Uso
Ingredientes:
Trigo qb
Água qb
Sal qb
Daqui pra frente o Lievito está pronto para ser usado e compartilhado.
Para a manutenção, basta conservar uma pequena quantidade e uma vez ao dia, descartar a metade e recompor com uma pitadinha de sal, água e trigo.
Para fazer pão, o Lievito precisa ser aumentado na quantidade necessária ao que se pretende fazer, na base de 400g de Lievito para cada Kg de trigo. Assim, se vou fazer pão no dia seguinte, não descarto nada dele e simplesmente aumento para que tenha 450g. Dessas, 400g faço pão com 1 Kg de trigo e os outros 50g, dobro para conservá-lo.
Você já parou para pensar nesse milagre? Esses pães da foto abaixo, assim como os demais pães das padarias, não levam nada mais que água, trigo, sal e leveduras e o responsável por esse maravilhoso efeito é o Lievito.
A diferença entre um pão de padaria e um italiano é exatamente o Lievito. Somente ele é capaz de produzir o aroma característico, com leve toque ácido, casca grossa, crocante e consistente, sem contar os buracos no interior do miolo.
Agora recomendo que visite algumas receitas preparadas com ele (basta clicar sobre o título:
Italianinhos Cascudinhos
Boa diversão!
Dedico essa receita a duas mulheres que tiveram participações especiais na minha vida, a saudosa Nonna Concchetta e a Zia Nadia, responsáveis pela infância mais imaginativa que eu poderia ter tido.
Grazie tanti, Nonna, grazie tanti Zia Nadia. Sarò eternamente ringraziato per tutti cose che hanno fatto per me e per tutti che ho imparato da voi.
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