Sbatto sempre me dizia:
- As Ciabatte guardam uma relação estreita com as mulheres...".
Eu nunca dei muita bola pra isso, mas um dia, no meio do "amassa-a-massa" na cozinha resolvi levar o papo adiante e perguntei o porquê. Ele disse:
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Ciabatta com salmão defumado, azeitonas pretas, pepinos, brotos de alfafa e azeite de oliva |
- Elas também precisam de um trato cuidadoso, paciente, carinhoso, delicado para ficarem bem boas.
Pior que - como bom italiano - o Sbatto fala alto pra caramba. E quem vocês acham que sempre - mas sempre mesmo - consegue ouvir essas definições filosóficas e inconsequentes dele? Giulia, claro!
De lá da roda das mulheres veio a primeira advertência dela:
- Mario, che hai detto?
- Nulla, Giulia. Parliamo delle ricette de cibo, delle pane...
... Silêncio! Rimos baixinho!
E continuamos com as mãos na massa... o Sbatto na massa e eu no azeite, colocando pouco a pouco e ele fazendo a puxada da massa para ganhar a máxima elasticidade. Mas, quem disse que amassar massa de ciabatta ocupa a boca?... Continuamos falando, mas com um pouco mais de cuidado com os ouvidos apuradíssimos da Giulia.
Eu comecei a falar com o Sbatto, como sempre fazíamos, compartilhando minhas indignações e dúvidas sobre o comportamento dos seres humanos. Perguntei como elas conseguem ouvir o que estamos conversando se estão conversando também. Ele, sempre com muito humor, dizia que eram aqueles poucos neurônios que elas têm a mais. Rimos muito outra vez... desta vez bem mais alto! Eu disse:
- Falando sério, Sbatto! Eu já fiquei observando muitas vezes. Como elas conseguem falar todas ao mesmo tempo e ainda ouvir o que estamos conversando? No princípio pensava que falavam sem prestar atenção no que as outras estavam falando, mas não! Não é assim! Eu já vi uma delas dar palpites em 3 assuntos simultâneos e com coerência!
- Bene... chi lo sà?! Respondeu ele soltando uma gargalhada das boas... e bem italiana!
Giulia levantou a cabeça:
- Mario, Mario, Mario!!! Advertiu.
- Vita mia, si parla della dolcezza delle donne. Respondeu ele.
- Signor Mario Sbattuto, ho ascoltato troppo bene che hai detto a Erney.
- Va bene Giù. Lasciano fare il pane, amore mio...
Com tantas palavras doces, reconquistamos a distração e o silêncio de Giùlia, ainda que temporariamente. Definitivo mesmo era quando os pães saiam do forno! Na verdade um pouco antes, quando o aroma de pães assando invadia toda a casa, a varanda e até a casa dos vizinhos, nessa altura já abandonadas, pois eles já tinham sido trazidos feito desenho animado, flutuando pelo olfato apurado e irresistível.
Quanta saudade, meu Deus!!!
Alla ricetta...
Ingredientes:
500g de farinha de trigo (eu abuso da marca Renata e minha mulher sabe e apoia)
400ml de água bem gelada ou bem fria
50g de fermento biológico fresco (eu uso o Itaiquara) ou 17g de biológico seco
1 colher (chá) de açúcar
1 colher (chá) rasa de sal
150ml de azeite EVO (o melhor que você tiver)
Legenda: qb=quanto baste; Renata=marca de uma farinha de trigo especial; EVO=extravirgem de oliva; biga=um preparo antecipado da levedura para provocar um "despertar" dos "monstrinhos" que estão ali. Em português poderia ser traduzido por esponja, pois é assim que se parece a biga quando está pronta.
Veja o Glossário para outros termos utilizadoa aqui.
Preparação da Biga (ou esponja):
Com uma quinta parte da farinha eu preparo um pouco de massa juntando todo o fermento, o açúcar e apenas parte da água suficiente para obter uma consistência bem cremosa. Não me preocupo com quantidades exatas uma vez que todo esse conteúdo será agregado à massa final. Deixo a biga repousar pelo menos 30 minutos.
Preparação da massa:
Misturo a farina de trigo restante com o sal dentro de uma vasilha. Abro um buraco no meio da farinha já misturada com o sal e adiciono o restante da água gelada e a biga. Em seguida começo a misturar o líquido com a farinha e a biga até obter uma massa bastante homogênea e extremamente pegajosa. Deixo descansar por 20 minutos coberta com um pano de cozinha seco e limpo.
Respiração a massa:
Depois de 20 minutos, forço a massa para sair da vasilha e despejo sobre a base de pedra.
Com as mãos abertas e voltadas para cima como se fossem dois grandes garfos, vou enfiando na massa fazendo movimentos repetidos simulando uma batedeira por uns 5 minutos.
Adicionando o azeite:
Sem deixar a massa descansar, executo a adição do azeite pouco a pouco e continuando com os movimentos até obter uma consistência ainda mais pegajosa. Quando percebo que a massa está homogênea, cubro com trigo e deixo descansar por mais 10 minutos coberta com o pano.
Corte da massa:
Sem tirar a massa da pedra e sempre com a ajuda do trigo e de uma espátula larga, faço um retângulo já imaginando que será cortado em 9 pedaços. Penso no “jogo da velha” um pouco mais retangular.
Polvilho com trigo uma forma de alumínio e corto a massa no formato “jogo da velha” formando 9 retângulos. Polvilho a espátula com mais trigo e num só golpe enfio debaixo da ciabatta e transporto para a forma.
Acomodo cada uma delas na forma pois a massa ainda permite alguns retoques no formato.
Deixo descansar agora por mais 1 hora cobertas com o pano.
Assar:
Depois de 1 hora levo ao forno pré aquecido a 200 graus (se seu forno não tiver graduação deve escolher a temperatura máxima). O tempo vai variar um pouco de forno para forno, mas deverá levar aproximadamente 20 ou 25 minutos até um leve dourado aparecer.
Logo depois de colocar as ciabattas para assar, despejo um pouco d’água fria na forma da base do forno para que forme um ambiente com vapor.
Elas podem também ser mais alongadas para o preparo de sanduíches coletivos!
O pulo do Chef: Importante acender o forno uns 15 ou 20 minutos antes de colocar os pães para assar. Esse pão pode ser feito sem azeite e se essa for sua opção, deve ajustar a quantidade de fermento, pra muito menos. O motivo é que o azeite inibe o desenvolvimento dos "bichinhos" que fazem crescer a massa.
Recomendo o uso desse pão para sanduíches especiais. Aqui no Cozinha Ousada existem algumas sugestões.
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